DE OUVIDO NO BRASIL
Leitura sonoro-poética e visão onírico-lírica do ser brasileiro.
Happening musical apresentado:
- 20/09/2012 - Semana de estudos literários, letras e linguística (Unicamp); Campinas - SP.
- 15/12/2012 - ESTIVAL: Mostra de Peças Curtas; São José dos Campos - SP.
- 01/06/2013 - Espaço Jardim Cultural; Taubaté - SP.

Roteiro
DE OUVIDO NO BRASIL
Leitura sonoro-poética e visão onírico-lírica do ser brasileiro.
ROTEIRO
André Pereira
São josé dos Campos - maio de 2012
SINOPSE
Bricolagem metalinguística de fragmentos textuais e musicais que retratam a preocupação dos brasileiros em pensarem a si mesmos no espaço geográfico e no tempo histórico.
Dois personagens, de forma onírico –lírica, entre canções consagradas da Música Popular Brasileira e inéditas, excertos poéticos e citações da literatura brasilianista, procuram uma luz para a compreensão de si próprios e do universo simbólico que os rodeia. Querem entender-se brasileiros. Nenhuma afirmação é definitiva, mas todas as questões sucitam o espectador a (re)pensar o ser brasileiro e sua manifestação no universo.
INFORMAÇÕES TÉCNICAS
PALCO: Um conjunto musical (violão, baixo, bateria, percussões e voz) e dois atores.
ELENCO: 5 músicos e 2 atores.
TEMPO DE ESPETÁCULO: 60 minutos
DE OUVIDO NO BRASIL
“O Homem é o animal que vive entre dois grandes brinquedos – o Amor onde ganha, a Morte onde perde.
Por isso inventou as artes plásticas, a poesia, a dança, a música, o teatro, o circo, e, enfim, o cinema.”
(Oswald de Andrade, A crise da filosofia messiânica)
- Ao fundo ouve-se a música Luar do Sertão de João Pernambuco/Catulo da Paixão Cearense.
Personagem 2 (entra em cena recitando um cordel e convocando o público para prestigiar o acontecimento)
Personagem 1 (sentado em uma mesa de bar. Dá um gole na cachaça)
Já que sou brasileiro, eu me pergunto – Quem descobriu o Brasil?
- Banda toca um tema de capoeira ao fundo
Personagem 1
É isso... Quem descobriu o Brasil? Eu acho que devo me perguntar isso. Eu necessito fazer essa pergunta. Eu quero fazer essa pergunta. Quem descobriu o Brasil? Você sabe quem descobriu o Brasil?Você viu? Quem te falou?
(Pausa no som)
Personagem 2
Aquele ano de 1498 foi intenso. Colombo topou com um continente. Dom Manoel perdeu o direito ao trono de Castela. Duarte Pacheco, ao que tudo indica, chegou ao Brasil.
Personagem 1 (depois de uma grande gargalhada)
(retorno do som)
Quem construiu o Brasil? É, porque alguém inventou isso aqui. Eu tenho o direito de saber quem construiu o Brasil! Agora que eu quero saber... Será que aqui alguém sabe quem foi que construiu o Brasil?
Personagem 2
Foi o Homem!
Personagem 1
Foi Deus! (pausa) O Brasil é o absurdo!
(A banda toca)
PROVA DE CARINHO (Adoniran Barbosa)
Com a corda mi
Do meu cavaquinho
Fiz uma aliança pra ela,
Prova de carinho.
Quantas serenatas
Eu tive que perder,
Pois o cavaquinho
Já não pode mais gemer.
Quanto sacrifício
Eu tive que fazer,
Para dar a prova pra ela
Do meu bem querer.
Vocalista da banda
Eu gostaria de agradecer a presença de todos e a oportunidade de estarmos tocando uma seleção de canções que nos remetem a cultura popular brasileira.
FILOSOFIA (Noel Rosa)
O mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia
Personagem 1 pede uma canção para a banda
MARACANGALHA (Dorival Caymmi)
Eu vou prá Maracangalha
Eu vou!
Eu vou de uniforme branco
Eu vou!
Eu vou de chapeu de palha
Eu vou!
Eu vou convidar Anália
Eu vou!
Se Anália não quiser ir
Eu vou só!
Eu vou só!
Eu vou só!
Se Anália não quiser ir
Eu vou só!
Eu vou só!
Eu vou só sem Anália
Mas eu vou!...(3x)
Eu vou só!...(16x)
Personagem 2
Cultura popular é a cultura do povo, ou seja, qualquer manifestação em que o povo produz e participa de forma ativa. Fonte? Wikipédia.
Personagem 1
E quem é o povo? Eu sou o povo? Quem são essas pessoas? Elas são o povo? Quem somos nós? Existe um todos nós? Quem é o povo?
Personagem 2
O povo sou eu, Gerônimo. Eu sou um homem pobre. Um operário. Faço parte do sindicato. Estou na luta das classes. Acho que está tudo errado. O melhor é esperar a presidente... (personagem 1 tapa-lhe a boca)
Personagem 1
Vocês estão vendo quem é o povo? Um imbecil, um analfabeto, um despolitizado. Já pensaram em Jerônimo no poder?
Personagem 2
Já! Caetano pensou!
“Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando - grosseiro. Ela fala bem.”
Banda canta o jongo
Eu vim aqui
mas eu não vim fazer desordem
Eu vim buscar minha mulher
Ela saiu sem minha ordem
(A banda toca)
NÓS VAMOS TRABALHAR (André Pereira)
Eu sou da terra
Onde o avião pousou
Do pé de serra
Que a estrada separou
Lá do roçado
Que a fábrica plantou
E meu filho só come
Embalado seu angú
É, ele só come MCangú
O que é que vou fazer
Eu não vou reclamar
Pois se ele passar
Ou se não passar
No vestibular
Vai trabalhar
Em qualquer lugar
Nós vamos trabalhar
Em qualquer lugar
Eu sou do mato
Que a grana reflorestou
Do velho solo
Que a cidade asfixiou
Não sou culpado
Mas também não sei se sou
Mas minha mulher juntou
O seu angú com meu tutú
"juntamo" angú e mais tutú
Ô coisa boa
Mas eu não me preocupar
Pois se ela engravidar
Ou se não engravidar
Eu sei que ela vai trabalhar
Em qualquer lugar
Nós vamos trabalhar
Em qualquer lugar
Personagem 1
Mas o povo parece uma entidade. Um ser que se possa ver.
Que entidade é essa, O Povo?
É O povo cidadão?
O povo escolhido?
O Terceiro Estado?
A massa?
O folclórico?
O primitivo?
- Guizos de chocalhos sugerem tensão
Eu sou o povo institucionalmente reconhecido, produto das consquistas burguesas e pomposamente chamado de nação brasileira.
( A banda toca)
A VOZ DO MORRO (Zé Keti)
Eu sou o samba
A voz do morro sou eu mesmo sim senhor
Quero mostrar ao mundo que tenho valor
Eu sou o rei do terreiro
Eu sou o samba
Sou natural daqui do Rio de Janeiro
Sou eu quem levo a alegria
Para milhões de corações brasileiros
Salve o samba, queremos samba
Quem está pedindo é a voz do povo de um país
Salve o samba, queremos samba
Essa melodia de um Brasil feliz
NEGRA-JAPA – Músico toca solo
PERSEGUIÇÃO (Ségio Ricardo)
- Se entrega, Corisco!
- Eu não me entrego, não!
Eu não sou passarinho
Pra viver lá na prisão
- Se entrega, Corisco!
- Eu não me entrego, não!
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão
Eu me entrego só na morte
De parabelo na mão
- Se entrega, Corisco!
- Eu não me entrego, não!
(Mais forte são os poderes do povo!)
Personagem 2
Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será a cordialidade – daremos ao mundo “o homem cordial”. Embora seja engano supor que as virtudes do brasileiro afetuoso signifique boas manieras - civilidade. São, na verdade, a expressão da emoção. Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo. Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o brasileiro.
Personagem 1
Eu sabia, eu sabia... Então a minha identidade é o resultado do intermédio entre melancolia lusitana, a força Africana e a despretensão indígena. Eu sou a elegância em estado bruto. Sou sentimental por excelência.
(a banda toca)
APAGA O FOGO MANÉ (Adoniran Barbosa)
Inez saiu dizendo que ia comprar um pavio
pro lampião
Pode me esperar Mané
Que eu já volto já
Acendi o fogão, botei a água pra esquentar
E fui pro portão
Só pra ver Inez chegar
Anoiteceu e ela não voltou
Fui pra rua feito louco
Pra saber o que aconteceu
Procurei na Central
Procurei no Hospital e no xadrez
Andei a cidade inteira
E não encontrei Inez
Voltei pra casa triste demais
O que Inez me fez não se faz
E no chão bem perto do fogão
Encontrei um papel
Escrito assim:
-Pode apagar o fogo Mané que eu não volto mais
Quarte-feira de cinzas
É ano novo
esse ano eu tomo vergonha
e me engano
Minha mãe me pediu pra rezar
meu pai perguntou de trabalho
delegado me mandou tomar cuidado
Meu doutor diz pra eu maneirar
a patroa me quer mais em casa
esse ano a conta do bar eu pago
É ano novo
esse ano eu tomo vergonha
e me engano
Já cansei de tentar entender
tantas coisas que não podem ser
convencido eu não vou
só se for de engano
Carnaval já ficou para trás
fantasia é a verdade da vida
civilizado eu visto a gravata enganado
Personagem 1
Eu sou de São Luiz do Paraitinga. Aquela cidade em que a água arrastou a igreja e levou o carnaval de 2010. Eu gosto de marchinhas, eu gosto de folia de reis, eu gosto da velha moda de viola rasgada. Gosto do grupo Paranga. É bonita a procissão. Eu gosto de sanfona e violão. Gosto de guitarra e bateria. Gosto da igreja de São Sebastião. Gosto de rock and roll. Tenho um tio que é do jongo e um primo Emo. O Hip Roça aconteceu em Paraibuna e meu próximo lance é assistir BB King em São Paulo. Eu sou brasileiro.
Cantador
A rosa que plantei ontem
A chuva quebrou o galho
Arrebola baiana
Arrebola baina
Arrebola se não eu caio
- Ao final do jongo, o personagem 2 se encontra na platéia com um livro na mão e faz a leitura.
Personagem 2
Por oposição à música folclórica (de autor desconhecido, transmitida oralmente de geração a geração), a música popular (composta por autores conhecidos e divulgada por meio gráficos, como as partituras, ou através da gravação de discos, fitas, filmes ou video-tapes) constitui uma criação contemporânea do aparecimento de cidades com um certo grau de diversificação social.
Personagem 1
É, podes crer que é disso que eu preciso. Eu quero o que é novo. Aquilo que cheira a idade do meu povo. Eu quero aquilo que nunca foi dito e ouvido. Eu quero aquilo que soe esperança no futuro. O novo império. A nova roma.
Se eu tivesse
Seu eu tivesse muitos vícios
O meu nome, o meu nome
Era Vinícius
Se esses vícios
Fossem muito imorais
Eu seria o Vnícius de Moraes
(A banda toca)
UMA NOVA MÚSICA (André Pereira)
Uma nova música não é nova
É tudo aquilo que não foi embalsamado
E que já se decompôs
E de uma forma ou de outra
Transforma-se no adubo de algo
Que irá também envelhecer
Pra alimentar o infinito
É o Brasil pós Cabral
Pós Marinho
É o complexo de Édipo Rei colonial transposto
É o Brasil desdentado e mulato
É o filho bastardo
Que não precisa de um pai
Pra se justificar
Nos desculpe pelo papo careta
De estética da poxa vida que pariu
Deve ser esta poliscultura
O resultado desta promiscultura
Personagem 1
O predomínio do modelo Americano na vida econômica brasileira se refletiu também na cultura e nos costumes. Ao ponto das pessoas pensarem o “regional” ou “nacional” como coisa ultrapassada.O que é nosso não presta, o deles é melhor.
Bossa nova – O samba distante da fonte.
Personagem 2
O problema da crítica musical brasileira é que ela, geralmente, é tudo menos musical. Eles não conhecem a evolução da própria música e procuram fantasmas onde não existe. Elegem suas matrizes, ditas “nativas” e desconhecem a própria história daquilo que julgam dominar. O Tinhorão é um tipo clássico de historicista que desconhece as regras da estética. A música moderna busca a libertação dos cânones repressivos.
(A banca toca)
QUAL É A DO SAMBA TINHORÃO? (André Pereira)
O samba já tá muito louco
Já ficou de porre
Ficou muito rock
O samba já virou pagode
Virou cachorro mijando em poste
O samba já perdeu a classe
atravessando o samba
quebrando o estandarte
O samba esqueceu Cartola
Lundu e Angola
Virou novidade
O samba que era pai e mestre
rei da batucada
atabaque e navalha
Dorme agora
O samba grande irmão de roda
voz subversiva
resistência ativa
anônimo coro
Cala-se agora
O samba já desceu do morro
já vestiu gravata
Virou autoridade
O samba hoje é apoteose
representa o povo
É brasilidade
O samba ficou comestível
ficou bonitinho
Virou Hip-Hop
Hoje, o samba
Se ensina na escola
Se samba na Holanda
Se samba em dólar
Na verdade samba mesmo em euro
até passou a moda
virou história
é matéria de aula
grande bosta
Quem samba agora
é quem investe em filantropia
em garotada esperta
mulata sadia
Rainha da bateria
Eu te cutuco
não cutuco
se não eu vou te cutucar
Você samba de que lado?
De que lado você samba?
De que lado você vai sambar?
MINHA BOSSA VELHA (André Pereira)
A minha bossa
é igual a de todo mundo
Mais um sonho
de apartamento
É um mar que não existe
é a jangada que nunca vi
é o amor que nunca tive
é o samba que nunca vi
Salve, salve toda porcariada nacional
que se presta a ser consumida
como cartão postal
Salve, salve toda patacoada nacional
essa mania industrial de se tratar o carnaval
essa mania comercial de a gente pular o carnaval
essa mania do capital de sacanear nosso carnaval
Personagem 1
Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade do ouro.
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil já tinha descoberto a felicidade!
Personagens 1 e 2
Tristeza não tem fim, felicidade sim! Que seja eterno o fevereiro! Que o belo samba seja a benção de nosso Senhor! Que a alegria seja nossa expressão. E a fé nossa gasolina! Saravá. Salve Xangô e São Bento. Nossa Senhora e Mestre Irineu. Salve Vila Lobos e Jobim. Salve a crença de se ser brasileiro!
Personagem 1
Nova Iorque é bom, mas é uma merda
O Rio é uma merda, mas é bom
Personagem 1
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Personagem 2
Ainda esta terra irá cumprir seu ideal!
(A banda toca)
FITA AMARELA (Noel Rosa)
Quando eu morrer, não quero choro nem vela
Quero uma fita amarela gravada com o nome dela
Se existe alma, se há outra encarnação
Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão
Não quero flores nem coroa com espinho
Só quero choro de flauta, violão e cavaquinho
Estou contente, consolado por saber
Que as morenas tão formosas a terra um dia vai comer.
Não tenho herdeiros, não possuo um só vintém
Eu vivi devendo a todos mas não paguei a ninguém
Meus inimigos que hoje falam mal de mim
Vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim.
BIBLIOGRAFIA
Campos, Augusto de – Balanço da Bossa e outras bossas. São Paulo. Editora Perspectiva, 1986.
Buarque, Sérgio Buarque de - Raízes do Brasil. Rio de Janeiro. Editora José Olympio, 1989.
Fonseca, Maria Augusta - Oswald Andrade: biografia. São Paulo. Editora Globo, 2007.
Mello, Zuza Homem de – Música nas veias: memórias e ensaios. São Paulo. Editora 34, 2007.
Motta, Nelson – Noites Tropicais: solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro. Objetiva, 2001.
Veloso, Caetano – Verdade tropical. São Paulo. Editora Companhia das letras, 1997.
Pereira, Arley – Cartola: semente de amor sei que sou, desde nascença. São Paulo. Editora Sesc, 2008.
Rocha, Glauber – Deus e o Diabo na terra do sol. Lançado em 1964.
Rocha, Glauber – Terra em transe. Lançado em 1967.
Tinhorão, José Ramos – História social da música popular brasileira. São Paulo. Editora 34, 1998.
Tinhorão, José Ramos – Os sons que vêm da rua. São Paulo. Editora 34, 2005.
FICHA TÉCNICA
Roteiro: André Pereira
Produção: André Pereira/ Thiago Diogo
Texto e adaptação: André Pereira/ Marcus groza
Elenco: André Pereira/ Beatriz Galvão/ Jorge Alegre/ Marcus Groza/ Samuel Thomas/ Thiago Diogo