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UM ADOLESCENTE, O METAL E OS ANOS 90 – Fragmentos de uma regressão musical.  

 

 

Eu comecei um texto sobre metal, onde eu iria discursar a genealogia do Heavy Metal. Lá pelas tantas, no meio do texto eu mandei tudo a puta que pariu e pensei: “Isso está careta demais... Eu sou um cara careta demais!”. Pensei isso porque, afinal, quem vai querer saber da porra da genealogia do Heavy Metal? Então, como todo mundo já está cansado de ouvir teorias e mais teorias sobre o estilo. Como muita gente boa já escreveu sobre o assunto. O Jack Black já mostrou mil vezes pra classe a árvore genealógica do metal. Blá, blá, blá...Eu vou falar sobre a minha caminhada musical. De como o Heavy Metal apareceu na minha vida e que mudanças ele proporcionou. Não só na minha existência, mas no cotidiano de toda uma geração. De maneira alguma a gente pode desprezar esse fenômeno. Se o metal ainda continua agitando cabeças em todo mundo, imaginem quando a música pesada era uma febre e a MTV contribuía para divulgar a imagem e os shows das maiores bandas. Só pra se ter uma ideia, o Metallica tocava em todas as rádios do Brasil no início dos anos 90 – Coisa impensável nos dias atuais! Nem fodendo que atualmente uma música como Enter Sandman estaria entre as 10 mais tocadas do país! Hoje, meus amigos, ninguém compete com o sertanejo universitário. Essa máfia tomou conta dos meios de difusão musical.

Eu comecei um texto sobre metal, onde eu iria discursar a genealogia do Heavy Metal. Lá pelas tantas, no meio do texto eu mandei tudo a puta que pariu e pensei: “Isso está careta demais... Eu sou um cara careta demais!”. Pensei isso porque, afinal, quem vai querer saber da porra da genealogia do Heavy Metal? Então, como todo mundo já está cansado de ouvir teorias e mais teorias sobre o estilo. Como muita gente boa já escreveu sobre o assunto. O Jack Black já mostrou mil vezes pra classe a árvore genealógica do metal. Blá, blá, blá...Eu vou falar sobre a minha caminhada musical. De como o Heavy Metal apareceu na minha vida e que mudanças ele proporcionou. Não só na minha existência, mas no cotidiano de toda uma geração. De maneira alguma a gente pode desprezar esse fenômeno. Se o metal ainda continua agitando cabeças em todo mundo, imaginem quando a música pesada era uma febre e a MTV contribuía para divulgar a imagem e os shows das maiores bandas. Só pra se ter uma ideia, o Metallica tocava em todas as rádios do Brasil no início dos anos 90 – Coisa impensável nos dias atuais! Nem fodendo que atualmente uma música como Enter Sandman estaria entre as 10 mais tocadas do país! Hoje, meus amigos, ninguém compete com o sertanejo universitário. Essa máfia tomou conta dos meios de difusão musical.

Eu resolvi falar do Heavy Metal sob a minha ótica e vivência porque nasci no final dos anos 70, um período em que o estilo ainda estava em desenvolvimento e a indústria fonográfica investia muita grana nas bandas de metal pesado. Foi durante a minha infância que vi surgir aquela galera cabeluda, vestida de jeans e suas camisetas pre -

tas de bandas. Eu era ainda muito pequeno e podia perceber a movimentação dos caras. Eu tenho um tio que na época de sua juventude possuía uma coleção fantástica de Lps. O pessoal frequentava a casa da minha vó e eu, por passar muito tempo ali, ficava com a rapaziada ouvindo os discos. Eu lembro que o primeiro álbum de metal que eu curti e não larguei mais foi o Live After Death, um discaço duplo e ao vivo do Iron Maiden, gravação da turnê Word Slavery Tour. Álbum lançado em 1985, que rapidamente foi distribuído no país, visto que o Iron Maiden viria ao Brasil para sua primeira apresentação em terras tupiniquins no primeiro Rock in Rio. Na casa da minha vó eu ouvia aquele disco nas alturas. Tinha meus 7 ou 8 anos. Era do caralho escutar aquela música frenética vendo aquelas capas loucas, com o Eddie em várias situações macabras. Fui fisgado pelo metal através do Iron Maiden. Na sequência, escutei os outros discos que se encontravam na prateleira, como o Killers, The Nunber of the Beast, Piece of Mind e Power Slave – era discografia básica nos anos 80 para quem curtia a banda.

Live After Death é um empolgante álbum ao vivo do Iron Maiden.

Naquele mesmo período, antes dos meus 10 anos, outra coleção de discos me foi apresentada. Meu tio contou sobre o Ozzy e o Black Sabbath. Me contou que o Ozzy havia comido um morcego em pleno palco e que os caras da banda haviam feito pacto com o diabo para ficarem famosos. Eu sentia um misto de medo e vislumbre enquanto ouvia aquelas histórias originalmente exageradas, que meu tio hiperbólico intensificava mais ainda. Aquilo dava um puta frio na espinha. Era emocionante pra caralho! Então, depois das histórias vinha o som. O primeiro disco que ouvi do Black Sabbath foi o álbum homônimo. Só de olhar a capa, o clima sinistro se estabelecia. Aquele cenário funéreo. Aquela figura feminina misteriosa. A primeira música, também chamada Black Sabbath, me assustou muito. Uma chuva triste se ouve antes que a música comece. Badaladas de sinos lúgubres ecoam ao fundo. Então, como um trovão, os instrumentos entram em cena. Três acordes, lentos e pensados. Uma canção sinistra que fala sobre Satã esperando por nós humanos. Eu, uma criança,  

criado por pais extremamente religiosos, onde em casa apenas Roberto Carlos e Fábio Júnior rodavam na vitrola. Era chocante o contato com aquele mundo horripilante e instigante. Pra mim o Heavy Metal significava, intuitivamente (óbvio pela minha idade), uma rebelião. Uma forma de libertação de toda aquela cândida formalidade de minha educação cristã protestante. Eu sentia que a agressividade expressa por aquele tipo de música também estava dentro de mim e que ao ouvir aquele som era liberada. Uma espécie de catarse ou epifania. Eu sei que, depois de uma sessão de metal eu ficava mais calmo e tranquilo. 

O clima de sinistro mistério da capa do álbum Black Sabbath mostrava ao que vinha o grupo. Há uma estética muito bem delineada. Música e imagem se fundem.

Basicamente, meu contato inicial com o metal ficou restrito a algumas bandas pioneiras de maior destaque, como Led Zeppelin, Kiss, Uriah Heep e Deep Purple. Pouco mais tarde, na pré-adolescência, é que as coisas tomaram outra direção. Até então, a música era algo importante na minha vida e não um vício. Eu curtia muito Elvis Presley, Beatles em sua primeira fase e Raul Seixas, que era meu artista preferido. Aos 13 anos, um amigo, Daniel Gordo, me chamou para mostrar uma novidade. Um disco que tinha sido lançado um ou dois anos antes, em 1989. Em sua capa havia uma estátua representando a justiça romana sendo derrubada. O título em inglês era And Justice for all... A banda, o Metallica. Foi um grande baque que tomei. Aquela música era completamente diferente de tudo que eu já tinha ouvido. Primeiro, que o som da banda era mais pesado e intenso que Iron Maiden – sonoridade que eu era tão acostumado - e depois, aquela voz áspera do James Hetfield era mais agressiva que aqueles vocais agudos das bandas que eu ouvia. Isso é que era brutalidade de verdade. Combinava muito com aquela fase da minha vida. Eu procurava por minha identidade. Era necessário negar de maneira incisiva muita coisa que eu havia sido adestrado a pensar e fazer. Eu precisava me libertar do estilo de vida dos meus pais. Eu precisava de algo extremo, e eu acabei encontrando.

Um disco de excelente padrão artístico. A última obra da banda realmente dedicada ao mais sofisticado trash metal.

Os anos 90 foram muito loucos e frenéticos. Além da Rock Brigade, a mais antiga publicação sobre Heavy Metal no Brasil, criada em 1981, surgiam várias outras fontes de informações como a Backstage, Top Rock, Metalhead, Rock Press e Roadie Crew. A galeria do rock em Sampa era toda tomada pelo headbengers. Além dos discos e shows, havia um mercado de quinquilharias voltados para esse público. Em minha cidade natal, uma loja chamada Animateia expunha parte dos discos à venda em um caixão pendurado ao lado do caixa. Havia uma banda de metal em cada esquina. Todas as variantes do estilo eram representadas. Eu também aderia ao visual, e com o dinheiro do primeiro emprego comprei minha indumentária. No colégio, um grupo de vinte caras se destacava por seu visual e música. Todos com seus coturnos, roupas pretas, crucifixos invertidos, cabelos compridos, óculos escuros e Lps de metal a tira colo. A perseguição pelas autoridades familiares, escolares e policiais era uma regra. A molecava provocava medo nos mais velhos. Seus assuntos giravam em torno da morte e do obscuro, aquilo era uma afronta ao sagrado. Livros sobre ocultismo e magia negra circulavam entre os mais curiosos. Era como se quiséssemos viver o próprio filme de terror. Mas, tudo aquilo não passava de pose. Nada ia além de uma brincadeira juvenil. Um exercício intelectual de rebeldia contra os padrões pudicos do cristianismo ocidental. Era hora de ser extremo!

Ainda na primeira metade dos anos 90, a onda do Black Metal chega rapidamente ao Brasil. Bandas como Mayheim, Napalm Death, Carcass e Morbid Angels eram novidade. Muita coisa da gringa foi lançada pela Rock Brigade Records e o Black Metal Brasileiro era amparado pelo selo Evil Horde Records. As bandas brasileiras de maior destaque eram do Rio de janeiro, como Mysteriis, Unerthly e Nocturnal Whorshipper. Nesse período de escasso dinheiro e sem internet, toda informação era compartilhada em encontros de horas, onde discos e revistas circulavam entre os entusiastas. A galera estava pouco se fodendo para o padrão de educação que recebiam nas escolas. Matar aulas não causava remorso, era uma forma de protesto consciente. Quando não estávamos em sala de aula, estávamos reunidos em torno de uma vitrola, cheios de revistas e discos, comentando, pesquisando, refletindo e se divertindo. Cada dia alguém apresentava algo novo que seria degustado coletivamente. Assim, era comum nas audições serem comentadas a ficha técnica dos discos, leitura de resenhas feitas pelas revistas e uma discussão sobre as impressões provocadas. Na mesma pegada do pessoal punk, os bangers também produziam um material próprio de divulgação de suas ideias e zines da cena Black Metal circulavam com muita intensidade. Todo mundo queria produzir um zine, assim como hoje muita gente cria blogs. Mas, na época,

A banda americana Morbid Angels com o visual característico dos headbangers da época.

qualquer inciativa do tipo demandava muita articulação e culhões. Os ensaios de garagem e os pequenos shows pipocavam por todo lado. Engraçado naquele tempo, que as pessoas que aderiam ao visual do metal, aderiam também a um estilo de vida e todos os fãs, de uma certa forma, acabavam passando por uma educação musical. Invariavelmente, quem curtia metal e andava no visual tinha também sua banda. Era comum encontrar alguém com uma camisa de banda metal e perguntar: “que instrumento você toca?”. Hoje, uma pergunta dessas não faz sentido.

Os anos 90 foram do Trash Metal. Metallica, Megadeath e Slayer lideravam as paradas. As edições do festival Mosters of Rock entre 1994 e 1998 consolidaram a cena metal no Brasil. Além da tríade do Trash, bandas de outras vertentes do metal começaram a frequentar o país e consequentemente ficaram mais populares. Motöhead, King Diamond, Helloween, Faith no More entre outras bandas faziam um sucesso gigantesco por aqui. Na onda dos grandes nomes do metal pesado surgiram o Víper, Angra e Dr. Sin, que representavam o Brasil nesse cenário. Porém, aqui das nossas terras, os caras que já vinham dos anos 80 com muita pegada e naquele momento explodiam em nível mundial era o Sepultura. O disco Chaos A.D teve lançamento aguardado por toda a mídia e fãs. Muitos não entenderam as mudanças que o Sepultura vinha sofrendo em suas orientações. Nesse disco havia uma música chamada Kaiowas, feita apenas com violões e percussões, algo impensável para os bangers puristas. Muitos não quiseram assimilar. Que porra era aquela? Para os ouvidos desavisados aquilo não fazia muito sentido, mas para aqueles que entendiam que o Sepultura estava a procura de uma identidade própria (elementos que diferenciassem o som da banda daquilo que já existia lá fora) ficaram muito empolgados. Então, em 1996 saiu o álbum Roots. Lembro que a MTV fez uma cobertura especial sobre o lançamento do disco. O Brasil agora tinha seu próprio trash metal. O contato dos integrantes da banda com os índios Xavante abriu novos caminhos estéticos. O aprendizado sobre a matriz africana dos ritmos com Carlinhos Brown possibilitou uma sofisticação na bateria de Igor Cavalera sem precedentes na história do estilo. A música do Sepultura se tornara original e inusitada em toda a cena do metal pesado. A estética indígena, a pulsação africana e a fúria do trash haviam sido combinados em uma fórmula perfeita. Em um elixir anti-monotonia do mundo padronizado do trash metal. Os temas abordados nas músicas do Sepultura ficaram mais abrangentes e sua marca musical era reconhecida no mundo inteiro. Era o fim dos anos 90 e dos experimentalismos que não existiriam mais, pelo menos na grande mídia.

Disco de 1993 que preconizava uma grande mudança no cenário do trash metal.

Com o estabelecimento dos ícones clássicos do metal e a consagração de um mercado mundial do estilo, novas mega bandas surgiram, utilizando-se de todas as conquistas técnicas e avanços comerciais do mundo musical do rock, se transformando em produtos da mais alta rentabilidade. Não que as bandas citadas acima não tenham sido, ou ainda sejam, grandes produtos comerciais. Mas a diferença do mercado musical do rock pesado dos anos 70, 80 e 90 para os atuais esta no fato de que, naquele período havia maior espaço para o experimentalismo nos meios fonográficos. Estavam disponíveis somas vultosas para o desenvolvimento de novas fórmulas e portanto, muitas bandas recebiam importantes investimentos, mesmo que apresentassem abordagens inovadoras e até arriscadas, em termos comerciais. Atualmente, a grande indústria, devido a todas as mudanças ocorridas no mundo da cultura de massa, como o surgimento da cena independente e a internet (que trouxe irreversíveis e profundas consequências) não pode arriscar mais em inovações. Os importantes empreendimentos estão na estrutura e divulgação das bandas que se apresentam como um produto fadado ao máximo sucesso. Se, por um lado, na poderosa indústria fonográfica nada muda e determinados padrões tornam-se cada vez mais definitivos; por outro, nos circuítos alternativos a música nunca para de se renovar e as ideias fluem em criatividade. Infelizmente, muitas boas ideias, não conseguem se sustentar por muito tempo devido às grandes dificuldades impostas para se produzir música de qualidade em um mundo dominado pela mediocridade. Mas, a novidade está nascendo em todos os lugares, basta procurar.

Essa regressão musical me faz pensar que meu desenvolvimento enquanto pessoa ocorreu paralelamente a um período de mudanças importantes no cenário da música pesada, e que eu, e grande parte da minha geração, acompanhamos isso. Também, que através das bandas pioneiras, “proto-metais”, como Blue Cher, eu fui instigado, a mais tarde, pesquisar o jazz, que é tão apaixonante e o mais eclético dos estilos musicais. Que guitarristas como Yngwie Malmsteen me levaram a conhecer e admirar o mundo da música erudita. E também, que a literatura e outras formas de arte me foram apresentadas com maior tesão através do metal pesado. As referências a Edgar Alan Poe, Aleister Crowler, literatura mística do antigo Egito, cultura indígena e africana estavam todas lá no universo do Heavy Metal. Lentamente fomos absorvendo tudo aquilo. Muita coisa estava acontecendo durante os anos 90, em termos musicais. O movimento Grunge é de importância crucial para a chamada música pesada, embora eu tenha absorvido melhor, bandas como Alice in Chais e Soundgarden tempos depois. No Brasil, o Manguebeat flertava com o Trash através dos encontros com o Sepultura e o Raimundos surgia com seu harcore de cordel. O peso das guitarras distorcidas estavam em todas as esferas da vida cotidiana. Ninguém mais se espantava com aquele barulho todo. O deus Metal havia botado essa porra pra fuder!

 

O disco Roots (1996) não apenas representa uma mudança marcante na estética da banda, mas um amadurecimento do próprio trash metal mundial.

Chaos A.D. é o quinto álbum de estúdio do Sepultura, lançado em 1993. A música "Refuse/Resist" ficou na 26ª posição na lista das 40 maiores canções de heavy metal de todos os tempos.

And Justice for All é o quarto álbum de estúdio da banda norte-americana de heavy metal Metallica, lançado a 25 de agosto de 1988. Está na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.

Por André Pereira.

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