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Nossa sinuca de bico.

 

Eu nunca me convenci de que a transição seria "lenta e gradual". Na verdade, ela nunca ocorreu. Certamente que as formas de controle e dominação se alteram ao longo do tempo. Orwell e Huxley já haviam me dado a letra dessa nossa realidade distópica. Mas, ao contrário do caso da sociedade do Big Brother no livro 1984, onde o controle se dá pela dor e pelo medo. Em que é evidente a violentação dos direitos individuais. Uma ditadura da coletividade que sufoca as individualidades. Pelo menos aqui, no Brasil, essa insanidade louca parece não ocorrer (mais). A canção vem nos lembrar: "Eu canto esses versos porque me deixam cantar, mas eu não me esqueço - ontem mandavam calar". É sempre bom a gente ficar esperto. Os tempos são outros, é bem verdade. A democracia é um processo que se estabelece históricamente. Nesse caso, então, podemos dizer estamos mais para o Admirável Mundo Novo, onde o controle não é feito através da supressão e opressão, mas através dos mecanismos do prazer.  O controle do pensamento não ocorre enquanto uma imposição agressiva, mas através de uma sútil forma de invasão da mente  - a indústria cultural.

 

Os meios de comunicação no Brasil estão nas mãos de meia dúzia de empresários. Gente que finaciou a ditadura militar de 64 e ainda mantém suas concessões de transmissão ad infinitum. Sabemos que todo o conteúdo vinculado pelas TVs assistem aos interesses das empresas patrocinadoras e, portanto, só aquilo que atende às espectativas de audiência se mantém no ar. Ninguém quer pagar por um tempo de publicidade, que é caríssimo, nos horários de baixo ibope. A escolha dos temas e dos conteúdos são feitos de forma muito criteriosa, mas é óbvio que os critérios não são baseados na função social que esses veículos de comunicação devem exercer. Essa conclusão está longe de ser um tipo de teoria da conspiração. Uma pequena pesquisa e os fatos comprovam - o principal meio de informação disponível para o grande público é a televisão, o veículo mais poderoso da indústria cultural. A censura é velada no sentido de que determinados assuntos são ofuscados por outros espalhafatosos de menor importância. A música, os filmes e os programas de TV que pretendem atingir o grande público devem ser rasos em termos de conteúdo. Se possível, não dizer nada, apenas vender uma moda.

 

A ideia é que vivemos em uma sinuca de bico. Em um beco sem saída. Vivemos uma cilada. Que liberdade temos para pensar? Como podemos expandir nosso pensamento se a repetição e a superficialidade nos rondam todo instante? Temos a internet e a liberdade de expressão. Mas quem pode realmente se expressar? É lógico que a liberdade é para poucos. Há uma grande dificuldade para saírmos da casca, da matrix. É necessário um esforço hercúleo para podermos romper com a estrutura de pensamento reinante. Estrutura essa forjada pelos meios de comunicação que nos ditam o certo e o errado. O que preciso ou devo fazer agora. Acredito que estamos cada vez nos tornando apáticos em relação as reais coisas da vida para vivermos em função daquilo que nos ditam. "Agora é a hora de ficar em casa" ou "agora é a hora de ir para as ruas protestar", dizem eles. E lá vamos todos nós. E tudo isso de maneira muito tranquila e sem imposição. A tal da servidão voluntária de La Boétie se manifesta claramente em nosso mundo atual. É a democracia capitalista reinante. Mais do que nunca a frase do poeta está valendo - ideologia, eu quero uma pra viver.

 

"Os movimentos totalitários de hoje sambam em portentosas festas de carnaval, fantasiados de belas mocinhas e rapazes inteligentes". É o que diz a canção. O totalitarismo está em uma forma sutil e prazeirosa de convencimento/ lavagem cerebral através do belo mundo que nos vendem todos os dias, pelos out-doors e pela televisão. Esse "belo mundo" é uma propaganda que anuncia o sistema da produção em massa como a única saída. Não importa se a propaganda é de margarina ou de viagens exóticas - todas apontam para o mesmo caminho - a manutenção da ordem de coisas. Somos convencidos a todo tempo sobre a aquilo que devemos querer ou almejar. A coisa é tão subliminar que muitas pessoas dariam risada dessas minhas palavras e me mandariam às favas. Eu lhes diria que a sua síndrome do pânico ou depressão é resultado desse esforço constante de atender às demandas desse próprio sistema. As nossas vidas foram coisificadas. Nossas relações mercatilizadas. Nossas emoções foram pasteurizadas.

 

"Hoje eu bebo um samba tranquilo. Liberdade assistida". Pois é, essa é aquela aparente paz que eu não quero seguir admitindo. Porque, como finaliza a canção: "Não há liberdade sintonizando a sessão da tarde. Não há beleza pensando sacanagens com a Globeleza". Ou seja, com nossas mentes e almas coaptadas pela grande indústria cultural somos esvaziados de conteúdo. Nos tornamos zumbis deístas que servem para produzir e consumir durante a vida toda. É ridícula essa condição. A única solução. A única saída em relação a essa situação é a guerrilha cultural. A militância cultural. Ou seja, criar e estimular os outros a também criarem sua própria cultura. Como diz uma outra canção dos PSICONÁUTICOS - "É necessário, recupere sua mente". Um exercício fundamental para a liberdade. É preciso libertar a mente dessa ordem de pensamento reinante, boicotando os produtos da indústria cultural de massa. Não porque assim eles se enfraqueceriam, mas como uma forma de sobrevivência. Salve-se quem puder. Façamos, por nossos próprios meios, a cultura que nos interessa!     

 

 

Por André Pereira

NOSSA SINUCA DE BICO no II ENCONTRO DE BANDAS DA UNESP DE ASSIS - 16.05.2009

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