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FRANK ZAPPA - o homem da utopia quando perdemos a inocência.

 

 

Por André Pereira.

Parece que a sociedade humana contemporânea é resultado do acúmulo de experiências e conhecimentos adquiridos ao longo do tempo histórico. Acho que ninguém discorda disso. As coisas são desenvolvidas - seja na área da técnica ou do pensamento - em determinados momentos da história. As gerações seguintes apuram os resultados e oferecem aperfeiçoamentos ou a extinção de anteriores descobertas. As novas conquistas, de uma maneira ou de outra, sempre estão atreladas ao diálogo com o que já foi feito. Em resumo, parece que o passado permanece vivo em todas as coisas. Em nosso modo de pensar ou fazer. Nas próprias coisas que utilizamos hoje. Em todos os aspectos da vida é possível reconhecer esse fato. E poderíamos dizer que o mesmo também ocorre na música da grande indústria fonográfica e do show bussiness. O passado sempre está lá! Explico:

A obra de Zappa é comparada aos grands mestres.

Quando observamos o rock and roll em geral – feito em qualquer lugar, neste momento, em pleno século XXI - percebemos que, por mais variantes que existam do estilo, das mais inaudíveis e barulhentas às mais melosas e comerciais; de uma forma ou de outra, a produção musical dita roqueira permanece tributária de todos aqueles antigos modos de se compor e tocar criados, em grande parte, pela comunidade negra escravizada nos Estados Unidos. Não podemos esquecer que o rock é considerados por muitos um resultado do hibridismo entre as músicas country e folk, de caráter marcadamente europeu, e os ritmos e cantos harmônicos trazidos da áfrica e adaptados às novas condições de extrema complexidade. Qualquer canção, de qualquer subgênero rock ou de fusão do rock com outros gêneros trará consigo o legado de todo esse passado musical. Isso ocorre de maneira consciente ou inconsciente com quem faz e toca rock. No caso de Frank Zappa – a consciência do processo era total e absoluta!

Zappa foi livre em sua arte e nunca se encomodou com a polêmica.

Zappa era considerado um “american composer” por excelência e seu substrato de inspiração era basicamente a cultura e os modos de vida americano. Sua incessante busca por expor, problematizar e ironizar a sociedade norte-americana lhe rendeu muitos problemas e até perseguições. Mas o fato é que, Frank Zappa objetivava uma obra, tal qual construiu, que fosse honesta e que contivesse uma boa dose de humor e o máximo de consciência possível sobre os processos de desenvolvimento da cultura musical americana e mundial. Tanto que seus discos apresentam canções com as mais variadas abordagem e estilos. O grande guitarrista nunca se prendeu a um determinado modelo de composição, produzindo obras que dialogavam com o jazz, o blues, os spirituals, a música de vanguarda, o rock, o experimentalismo, a bossa nova, etc. Não havia nenhum limite para o trabalho desenvolvido pelo músico.

 

Este talentoso artista era múltiplo. Foi um cineasta criativo, um produtor audacioso, um compositor magnífico e um excepcional musicista e guitarrista. Tudo isso emoldurado por um raciocínio perspicaz e nada óbvio. Zappa era a encarnação do grande artista independente, que além de criar um conceito tinha a habilidade de concretizar com as próprias mãos tudo que imaginava. Tanto que, ainda com o MOTHER OF INVETIONS, ele dispensou produtores e empresários para assumir total controle da obra. Além da criação de sua própria produtora e selo musical. Ou seja, Zappa queria ter acesso a todo o processo de produção da sua música. O interesse dele era construir uma verdadeira obra de autor e teria que procurar meios adequados   de   exercer 

sua autonomia. Ele brigou por isso e pagou o preço necessário. Passou por reveses materiais, sabatinas judiciárias, pressões das alas mais conservadoras e ataques da mídia. O que conservava o mestre em sua integridade era a necessidade de trabalhar, mais e mais, para constituir um verdadeiro monumento musical universal e atemporal.  

A pesquisa musical encampada pelo genial compositor prosseguiu durante todo os anos 80 e sua aproximação com a música erudita se intensificou (exemplo, o álbum London Symphony Orchestra, Vol. 1 e 2), embora jamais tenha deixado de trabalhar com o contexto POP. Suas críticas hilárias satirizavam desde pastores televisivos até o presidente mauricinho Regan. E sua relevante atuação fora do universo musical comprovava que sua persona causava impacto no campo da comunicação de massa. Zappa não se eximia da discussão pública de nenhum assunto e sua filosofia, ação política e estética mantinham-se em profundo equilíbrio. Ele havia se tornado uma figura notória devido a repercussão de seu trabalho e amplitude de suas ideias. Então pensou em se candidatar para presidente dos Estados Unidos e iniciou uma campanha não oficial. As pessoas não sabiam se aquilo era sério ou mais uma piada. O fato é  que , 

 

No início dos anos 70, o guitarrista sofreu um atentado em pleno show, resultando em uma reclusão de aproximadamente dois anos. Agora, ele não podia prosseguir com as apresentações, devido a necessidade de utilizar cadeiras de rodas para se locomover, em decorrência das fraturas sofridas. Isso causou grande frustração. Nesse período, Zappa produziu um vasto material que seria lançado em seus discos seguintes, como no fantástico álbum GRAND WAZOO - nome também dado a nova big band de 20 músicos que Zappa formava para retornar aos palcos no final de 1972. A produção do músico durante os anos 70 foi intensa, contribuindo sobremaneira para uma das melhores fases do rock and roll de vanguarda, aliando performances espetaculares de palco e produção cinematográfica extremamente criativa. Frank Zappa se popularizava em meio ao grande público e recebia as devidas considerações dos expedientes especializados. No campo da música erudita, era reconhecido por Pierre Boulez e trabalhava com Zubin Mehta. Apesar do começo turbulento daquela década, Zappa chegava aos anos 80 consagrado.

O reconhecimento de Boulez e os trabalhos com Zubin Mehta consagram Zappa.  

diante da postura de Zappa, com seus discursos públicos cada vez mais políticos, não seria estranho imaginá-lo na Casa Branca. Sua preocupação era social e cultural – sua obra havia mostrado isso. A práxis política arremataria todo o conceito de artista consciente que Zappa desenvolveu ao longo de sua carreira. Seria muito interessante se o músico tivesse tido mais tempo de vida para ter realizado esse sonho, que ele publicamente havia acalentado.

No início dos anos 90, com a descoberta de um câncer de próstata em estágio avançado, as coisas mudaram radicalmente. O artista colossal estava prostrado. As dificuldade de locomoção aumentaram. Sair de casa era quase impossível devido as dores pelo corpo, agora tomado pela doença que se expandia. Os trabalhos de composição não paravam e suas músicas eram executadas por diversas orquestras pelo mundo. Um dos momentos memoráveis da carreira de Zappa foi a apresentação de suas composições, junto às de John Cage, Karlheinz, Stockhausen e Alexander Knaifel pela Ensemble Modern, no Festival de Frankfurt, em 1992. Desde o inicio, o jovem Frank Zappa sonhava em dialogar com os grandes personagens da música de vanguarda – agora ele era considerado um desses grandes nomes. O mestre havia trabalhado duro durante mais de trinta décadas e sua profícua produção estava destinada a reverberar através do tempo. Mesmo após a morte do grande “american composer”, em dezembro de 1993, a sua vasta obra ainda ressoa pelos quatro cantos do planeta e as guitarras de Zappa continuam sendo tocadas por seu filho. Aos fãs resta sempre a esperança pelos novos lançamentos, visto que há muita coisa nos arquivos da família que ainda não foi liberado devido a conflitos de interesses. 

Ao final de toda a saga Zappiana, esse autor excêntrico e sui generis nos deixa um legado incomensurável através de toda sua obra. Algo que nos inspira a pensar sobre como a própria música se desenvolveu com a sociedade humana e como ela, particularmente, ocorreu no Estados Unidos. Há uma lição deixada pelo mestre, a de que devemos deixar nossa inocência em prol do total controle dos acontecimentos. De que o ser humano constrói uma linguagem capaz de transformar a realidade de maneira absoluta e irreversível e que hoje, com o acúmulo de conhecimentos obtidos através da história e com toda tecnologia da informação disponível, não podemos nos furtar a utilizar essa “hiperconsciência” para as transformações necessárias da sociedade. A música e a política caminham juntas. A estética trás o estado de espírito necessário para a compreensão e a atuação no campo da coletividade humana. Não há passividade saudável, estar vivo enquanto ser humano é uma realidade política em si. Não podemos olhar as coisas feito estúpidos entorpecidos, quer seja pelas drogas ou pelo consumismo. É necessário atitude e “Music is the best”.

The Grand Wazoo, de 1972. Período de convalescença e muita criação. 

Outro Álbum de 1972. Resultado do mesmo processo de criação do The Grand Wazoo.

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