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A EXPRESSÃO DE NOSSA HUMANIDADE – a aura da música de Hermeto Pascoal.

Por André Pereira.

Constatou Niezsche, em algum lugar, que a vida sem a música seria um erro. E posso acrescentar, que a vida com Hermeto Pascoal é o grande acerto. Não me desculpo por ser hiperbólico porque o albino louco - alcunha soprada por Miles Davis – é “o cara” da música mundial. Não tem pra ninguém! E isso muita gente grande já cansou de falar por aí. Sua notoriedade pelo mundo é muito impactante, geralmente não sendo reconhecida devidamente aqui, em solo brasileiro. Mas o mestre não se preocupa com isso e já afirmou que são as gravadoras que necessitam dele, como um grande troféu, em seus catálogos musicais.

O mago do som sempre levou uma vida de extrema musicalidade. Há momentos em que não sabemos o que é música, instrumento e Hermeto Pascoal. Todos os três elementos são uma única coisa. Quando Hermeto toca a gente pensa que está enxergando os sons, dá uma sensação de que entendemos o que eles significam. No fim, a gente saca que isso tudo é coisa de pessoa muito sensível. E esse senhor com cara de papai Noel das Alagoas é realmente uma antena parabólica que capta tudo. Aliás, o que ele sempre disse é que seus cabelos compridos e sua longa barba ajudam nesse processo de “captura” da música que “paira” no ar.

Há muitas histórias pitorescas em relação ao músico, e ele faz questão de reforçar tudo aquilo que é dito sobre ele. Além de sempre acrescentar novos pratos ao cardápio. Como no episódio em que foi internado em uma clínica de repouso - não sei se durante ou depois da gravação do disco “Festa dos deuses” (1992). Hermeto estava tão obcecado em apreender os tons, timbres, nuanças e texturas das vozes humanas que não compreendia mais os discursos e as mensagens emitidas pelas pessoas durante uma conversação. O cara só escutava uma grande sinfonia musical de falas produzidas pelas bocas humanas. Após uma refrescada na cabeça voltou a prestar atenção no que os outros diziam e não apenas na música que produziam quando falavam.

Há outra ocasião maluca, em que durante um show solo, ao piano, uma das teclas do instrumento que havia se soltado pulou para perto da platéia. Sem interromper o processo musical, Hermeto continuou o número, enquanto se levantava do piano – complementando a música com a própria voz – procurando a pequena peça pelo auditório. Ele encontrou a tecla caída perto da primeira fileira. Sentou-se no chão, pegou-a com as duas mãos e levou o objeto à boca. Então, um brilhante solo melodioso saiu do sopro que o albino louco fez naquela tecla solta de piano. O público foi ao delírio com o improviso inusitado.

 

 

Hermeto é considerado um dos maiores músicos de todos os tempos.

São muitas as histórias e loucuras que circulam em torno desse gigante musical. Mas há algo em Hermeto Pascoal que chama muito a atenção. Algo que vai além da própria música. Há um discurso em sua fala, em suas ações e em seu comportamento que destaca sua figura das demais. O mago dos sons é uma pessoa de extrema generosidade e aura pacífica. Todo seu trabalho e sua biografia apontam para a busca do autoconhecimento e da harmonia entre os indivíduos, os seres, o mundo e o cosmo. Seu som reflete uma espiritualidade que ele faz questão de deixar evidente em seu trabalho, como nas várias músicas inspiradas em temas esotéricos espiritualistas ou da religiosidade brasileira.  

Há muito que ser falado sobre essa figura ímpar da música mundial. Mas em um pequeno artigo só é possível destacar superficialmente sua importância e singularidade. O cara é muito criativo e possui um domínio sobre o próprio trabalho como poucos ousaram. Talvez a prova maior de sua soberana coerência artística esteja no fato de nunca ter precisado da grande mídia ou de grandes gravadoras para prosseguir com sua obra autoral e manter sua respeitabilidade internacional no meio fonográfico e de shows. Desde o momento que se voltou para a construção dos alicerces de sua “ Música livre”, lá no final dos anos de 1960, com o grupo “Quarteto Novo”, Hermeto se tornou cada vez mais autônomo e independente. Um grande alquimista sonoro, possuidor da capacidade do experimento criativo e audacioso. Produzindo um verdadeiro deleite musical para seus ouvintes.

Hoje, aos 78 anos e a mais de uma década vivendo uma história de amor e música com a musicista Aline Morena, Hermeto faz incursões em diversos terrenos musicais e brinca, em entrevista na grande mídia, dizendo que tem vontade de compor para esses grupos popularescos que tocam exaustivamente nos rádios, programas de auditório e novelas. Mas é só chiste. De fato, Hermeto se aproximou, nos últimos anos, de um tipo de música mais palatável, se é que é possível ou necessário utilizar esse termo. Mas   nunca    chegou     a 

produzir algo que possamos identificar como comercial, no sentido de uma venda ao grande público. Uma constatação pode ser feita - todos os processos pelo qual o excepcional músico passou tornou sua música mais contundente e verdadeira. Contundente, no sentido de que aquilo que se ouve é carregado de significados e mantém-se inabalável no transcorrer do tempo. E verdadeira, pois a música de Hermeto Pascoal parece ser a expressão máxima da alma do ser humano que a produz, sem outras condicionantes que não a própria expressão da humanidade.  

A música livre de Hermeto Pascoal.

Álbum de 1977, cheio de experimentalismo e uma performance impecável.

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