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“Não toque o que está lá, e sim o que não está” - a obra polissêmica de Miles Davis.

 

 

Por André Pereira.

Miles Davis evolucionou o jazz várias vezes, o que lhe rendeu a fama de grande ícone da música de todos os tempos. Falar de um artista de tamanha magnitude é uma responsabilidade e tanto, e conheço muita gente que já pontuou coisas de suma importância para a compreensão do trabalho do genial trompetista. Não sou um especialista no legado do mestre, mas pretendo apontar as direções que segui para acompanhar sua obra. Acredito que a grande arte tem o poder de despertar nos críticos milhares de interpretações e no público – total prazer. E foi o puro prazer que senti, ao ouvir pela primeira vez a música de Miles Davis, que me aguçou a curiosidade pela sua obra e sua vida. Uma música estimulante e carregada de significado que me conduziu a muitos lugares me despertando várias ideias. Creio que a partir da música desse artista aprendi mais sobre a cultura norte-americana e as contradições dessa sociedade. Seus pontos de tensão e anseios coletivos. De certa forma, a música de Miles Davis pode ser considerada um típico discurso americano baseado nas premissas da liberdade e igualdade.

Em alguma tarde do fim dos anos 90, vasculhando os discos da coleção de minha amiga poeta Josie Melo, encontrei, entre tantas relíquias, uma compilação de grandes músicas de Miles Davis. Eu conhecia o nome do artista e já tinha ouvido falar de seu som, embora não conseguisse identificar sua música ou sua imagem. Aquele disco de introdução à obra do mestre continha uma pequena biografia do músico. Passei os olhos por aquelas histórias. Que fascinante! Miles havia feito muita coisa em sua vida – um registro gigantesco de composições. A primeira música era “Miles Runs the Voodoo Down”, do disco “Bitches Brew” (1970). Aquilo me pegou de tal maneira! Uma batida repetitiva, de monótona cadência, preenchida por inúmeros malabarismos sonoros de guitarras, teclados, trompetes, baterias e percussões. O conjunto do som parecia formar uma grande espiral que girava dentro de minha cabeça, tornado-se frenética na medida em que os sons dos instrumentos se misturavam em uma massa sonora abstrata e vislumbrante. Eu havia sido fisgado por aquela sonoridade.

Miles é o maior músico de todos os tempos.

E foi assim que iniciei minha jornada pelo complexo universo da música do jazzista mais importante de toda a história da música. Não que ele fosse o mais rápido ou o mais técnico. Neste quesito, caras como Dizzy Gillespie ou Chalie Parker já haviam dado conta. Porém, Miles Davis se tornou indispensável exatamente   porque   fez  de 

sua limitação a própria motivação para a busca do novo. E é nesse sentido que esse artista foi tão inspirador e continua tão atual. Miles Davis nunca foi considerado um virtuose e sim um grande compositor e pensador do próprio “fazer jazz”. Talvez a sua pretensão inicial fosse a de galgar um nível técnico como o de “YardBird” (Charlie Parker), tanto que o jovem trompetista, em 1945, entrou para a aclamada banda de Bird, na intenção de seguir os passos do veloz bebopper, mas dizem os biógrafos que Miles só se frustava por não possuir tanta habilidade.

O reconhecimento da obra de Miles extrapolou os meios especializados do jazz.

Talvez, essa frustração por não ter conseguido ser como seus ídolos fez com que Miles não se restringisse as regras impostas pela cartilha do jazz. Me parece que foi a própria incapacidade do artista de se consagrar na tradição que o tornou um rebelde inquieto, que de alguma maneira deveria achar seu lugar no mundo da história do jazz. De alguma forma, mesmo que soasse estranho para os puristas, mesmo que arriscasse sua reputação, ele deveria alçar um voo nos terrenos ainda inexplorados da música. E foi o que ele fez durante a maior parte de sua carreira - procurou os caminhos ainda não percorridos. Tal foi o arrojamento de sua pesquisa que muitos chegaram a considerar que a obra de Miles Davis após os anos 60 não era mais jazz. Que o jazzista havia se convertido em outra coisa, e ali não existia mais a figura do jazzman. Enquanto isso, o mestre do trompete batia o pé e dizia - “O que eu faço é puro jazz”.

 

Com o lançamento do “A kind of Blue”, em 1959, o trompetista atingiu a consagração máxima. Uma persona que já era popular nos meios da arte refinada chegara ao ápice de sua carreira com 33 anos, ao lançar um álbum musical que firmava uma nova tendência no movimento jazzístico – a música modal – e um novo posicionamento estético - o estilo ' cool '. Miles Davis havia escrito um novo capítulo na história da música, que negava os desvarios intermináveis e histrionismos acrobáticos dos seus canonizados ídolos e valorizava a textura das notas, a contenção de informação e o minimalismo performático do artista. Uma nova forma de tocar e pensar o jazz surgiu naquele momento e o chamado cool jazz foi a primeira grande contribuição do trompetista para a música.

Rebelde e inquieto, Miles revolucionou o jazz várias vezes.

Bitches Brew, de 1969, causou tremendo impacto no mundo do jazz quando foi lançado.

Kind of blue (1957) foi o disco que projetou Miles Davis. O jazz pasaria por mais transformações.

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